sexta-feira, 28 de junho de 2013

Um bairro chamado "Jesus te Ama"


Em mês de protestos, de manifestações, passeatas de reivindicações pelos direitos básicos por todas as partes do país, começando pelo transporte público, não deveria deixar de notar o que acontece em Anápolis, se tratando desse tema.
A TCA (Transportes Coletivos de Anápolis) é a única empresa que faz o transporte coletivo na cidade desde 1963. O monopólio é mantido até os dias atuais, e a empresa tem feito de tudo para que este se arraste por tempo indeterminado, prova disso são as suspensões e batalhas judiciais que se arrastam desde 2010, quando se deu o início do primeiro processo licitatório do transporte coletivo em quase meio século. O que acontece é que, durantes esses cinquenta anos, não há como negar que a empresa exerce certa influência sobre as decisões acerca do transporte coletivo anapolino.
Por outro lado, seria hipocrisia dizer que a qualidade do transporte coletivo em Anápolis é baixa. Poucos ônibus são velhos, profissionais capacitados, tarifa baixa em relação a tantas capitais e cidades de interior espalhadas pelo Brasil.
Mas é justo que uma empresa que tenha um transporte de qualidade se apodere de um lugar de preservação histórica, como fez com a construção da segunda ala do Terminal Urbano de Integração, encobrindo a antiga estação ferroviária? E outra coisa que chama muito a atenção: quais seriam os limites de uma empresa de transporte público ao promover ideologia religiosa?
Parte da TCA pertence a pessoas ligadas diretamente a uma igreja evangélica. E isso se torna notável a qualquer pessoa que faça uma visita mais longa a Anápolis, com a oportunidade de andar de ônibus mais vezes. Nos ônibus, na faixa aonde vem o itinerário, por exemplo, em alguns ônibus é comum vir as inscrições “Jesus te ama” ou “Leia a Bíblia”. Ou então os cultos que se realizam dentro do Terminal Urbano, algumas vezes.
Quais são os limites de uma empresa que, de alguma forma, começa a obrigar o usuário a ter que ouvir o dogmatismo religioso de seus proprietários e aceitá-lo, já que muitos não têm outras formas de condução? É claro que muitas pessoas não se importam, ou até concordam com essa ação da empresa, mas ninguém pode ser obrigado a ouvir o que não quer, e receber a desculpa de que isso é compensado pela qualidade de transporte coletivo.
O transporte coletivo é um transporte público, e querendo ou não é frequentado por milhares de pessoas, de todos os tipos, todos os dias, em que não se deve ter uma supervalorização de um tipo de pessoa em detrimento ao outro. A legislação define bem que o Estado é laico, que há liberdade religiosa. Seria necessário colocar uma regra explícita no processo licitatório que acabasse com essa prática, ou será que esse seria mais um dos motivos para que a TCA busque barrá-lo, mais uma vez?

Talvez enquanto não houver o exemplo definitivo de todo um governo que ainda escreve “Deus seja louvado” nas cédulas, ou coloca crucifixos em instituições, não haverá motivos para que uma empresa que tem a concessão do transporte coletivo – única e por mais de cinquenta anos – deixe de mostrar o que a cidade deveria pensar, em sua concepção.