Em
mês de protestos, de manifestações, passeatas de reivindicações pelos direitos
básicos por todas as partes do país, começando pelo transporte público, não
deveria deixar de notar o que acontece em Anápolis, se tratando desse tema.
A
TCA (Transportes Coletivos de Anápolis) é a única empresa que faz o transporte
coletivo na cidade desde 1963. O monopólio é mantido até os dias atuais, e a
empresa tem feito de tudo para que este se arraste por tempo indeterminado,
prova disso são as suspensões e batalhas judiciais que se arrastam desde 2010,
quando se deu o início do primeiro processo licitatório do transporte coletivo
em quase meio século. O que acontece é que, durantes esses cinquenta anos, não
há como negar que a empresa exerce certa influência sobre as decisões acerca do
transporte coletivo anapolino.
Por
outro lado, seria hipocrisia dizer que a qualidade do transporte coletivo em
Anápolis é baixa. Poucos ônibus são velhos, profissionais capacitados, tarifa
baixa em relação a tantas capitais e cidades de interior espalhadas pelo
Brasil.
Mas
é justo que uma empresa que tenha um transporte de qualidade se apodere de um
lugar de preservação histórica, como fez com a construção da segunda ala do
Terminal Urbano de Integração, encobrindo a antiga estação ferroviária? E outra
coisa que chama muito a atenção: quais seriam os limites de uma empresa de
transporte público ao promover ideologia religiosa?
Parte
da TCA pertence a pessoas ligadas diretamente a uma igreja evangélica. E isso
se torna notável a qualquer pessoa que faça uma visita mais longa a Anápolis,
com a oportunidade de andar de ônibus mais vezes. Nos ônibus, na faixa aonde vem
o itinerário, por exemplo, em alguns ônibus é comum vir as inscrições “Jesus te
ama” ou “Leia a Bíblia”. Ou então os cultos que se realizam dentro do Terminal
Urbano, algumas vezes.
Quais
são os limites de uma empresa que, de alguma forma, começa a obrigar o usuário
a ter que ouvir o dogmatismo religioso de seus proprietários e aceitá-lo, já
que muitos não têm outras formas de condução? É claro que muitas pessoas não se
importam, ou até concordam com essa ação da empresa, mas ninguém pode ser
obrigado a ouvir o que não quer, e receber a desculpa de que isso é compensado
pela qualidade de transporte coletivo.
O
transporte coletivo é um transporte público, e querendo ou não é frequentado
por milhares de pessoas, de todos os tipos, todos os dias, em que não se deve
ter uma supervalorização de um tipo de pessoa em detrimento ao outro. A
legislação define bem que o Estado é laico, que há liberdade religiosa. Seria
necessário colocar uma regra explícita no processo licitatório que acabasse com
essa prática, ou será que esse seria mais um dos motivos para que a TCA busque barrá-lo,
mais uma vez?
Talvez
enquanto não houver o exemplo definitivo de todo um governo que ainda escreve “Deus
seja louvado” nas cédulas, ou coloca crucifixos em instituições, não haverá
motivos para que uma empresa que tem a concessão do transporte coletivo – única
e por mais de cinquenta anos – deixe de mostrar o que a cidade deveria pensar,
em sua concepção.