sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Aquilo que chamavam de nunca


   
   Aquele olhar era assustador até mesmo para si quando via a própria imagem no espelho. Mas sabia conquistar. Como se não bastasse aquela beleza que fazia o encanto de pessoas que observavam seu jeito de ser juntamente com os marcados e ritmados passos daquilo que se chamava dança. A mão bem colocada, o olhar desconcertante, o rosto sem deformações e um corpo que parecia genuinamente construído de forma detalhada por algum ser divino cuja existência é questionável.
   E dançava, seus passos não podiam ser controlados pelo ritmo dos ponteiros daquilo que chamavam de relógio. Muito pelo contrário, sabia entender que o que ritmava sua vida não precisava seguir sequer um ritmo repetitivamente cansativo. Ficou sabendo que passavam a chamar aquilo de música, e com ela decidiu colocar em prova seu último passo de dança olhando para o espelho, quando aquele que chamavam de diagnóstico anunciou que aquilo que chamavam de morte estava para atingir sua pessoa.
   Mas preferiu acreditar que era mentira, queriam ofuscar sua capacidade simples de ser feliz com aquilo que chamavam de inveja. Seus olhos sorriram para seu reflexo no espelho, que também sorriu num gesto só não instantâneo porque trezentos mil quilômetros por segundo de velocidade impediram que fosse ao mesmo tempo. E isso não fazia e nunca fez a menor diferença. Se mexeu, confiou que a vida o salvaria daquela catástrofe que seria o ato de ser levado daqui para aquilo que chamavam de julgamento por um ser divino cuja existência é questionável.
   Em frente ao espelho, sua casa, sua vida, caiu entremeado às roupas espalhadas que ficavam por cima daquilo que chamavam de cama, num canto esquerdo de seu quarto. A janela, a porta e toda a casa permaneciam abertas. Eis que pessoas, portadoras daquilo que chamavam de curiosidade. Ficaram na porta, esperando que o ato de estar vivo, que chamavam de respiração, se desse por encerrado da mesma forma que um artista de modo genuíno se despedia no final de sua apresentação. Noite escura, noite fria, noite amedrontante.
   E as primeiras luzes clarearam o dia. O pequeno e antigo despertador começou a tocar suas sinetas freneticamente, despertando-o do sono forçado depois de horas fazendo o que que mais gostava: ter sempre os marcados e ritmados passos daquilo que se chamava dança.
   

   

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